A HUMANIZAÇÃO DO/NO TRABALHO COMO EXPRESSÃO DE MORAL E ÉTICA
Perceber o outro requer uma atitude profundamente humana. Reconhecer e promover a humanização, à luz de considerações éticas, demanda um esforço para rever, principalmente, atitudes e comportamentos dos profissionais envolvidos direta ou indiretamente no cuidado do paciente, o que também está enraizado no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE), evidenciando que os códigos de ética profissionais, enquanto expressão de sistemas de valores, explicitam a moralidade de um grupo, pressupondo a imposição desses valores, e não o seu questionamento. Quanto aos valores da profissão de enfermagem, o CEPE, no artigo terceiro, norteia a prática profissional para o respeito à vida, à dignidade e aos direitos da pessoa humana, sem qualquer discriminação. Mais do que se limitar a um conjunto de normas, o CEPE estabelece a responsabilização pela promoção do ser humano nas múltiplas dimensões.
A humanização encontra respaldo, também, na atual Constituição Federal, no artigo primeiro, Inciso III, que assinala "a dignidade da pessoa humana" como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Os direitos dos seres humanos nascem com os homens e, naturalmente, quando se fala de direitos da pessoa humana, pensa-se em sua integridade, dignidade, liberdade e saúde.
Nesse contexto, poder-se-ia perguntar: é possível pensar um cuidado que não seja humanizado? Por que a necessidade de um projeto denominado "humanização", nos estabelecimentos de saúde, se os profissionais já possuem um código de ética profissional e uma Constituição Federal que lhes asseguram e estimulam o respeito à dignidade da pessoa humana? A implementação de um cuidado humanizado, no entanto, mais do que o cumprimento de uma prescrição moral, pautada na obediência ao que deve ser, associada ao risco da punição frente a transgressões, necessita fundamentar-se na ética. Dessa forma, é importante assinalar que a ética não se preocupa apenas com as coisas como são, mas como as coisas podem ser e, especialmente, como devem ser, de modo particular a partir da identificação de conflitos presentes nessas relações.
Em meio a tantos avanços tecnológicos e possibilidades de melhoria da assistência hospitalar e de sua humanização, os recursos, todavia, parecem estar mais associados a propostas de investimentos na estrutura física dos prédios, na alta e moderna tecnologia e a outros processos que não, necessariamente, impliquem mudanças na cultura organizacional em prol da humanização do trabalho e do cuidado enquanto expressão da ética. Sem dúvida, tais medidas podem ser relevantes numa instituição. Contudo, não podem descaracterizar a dimensão humana que necessita estar na base de qualquer processo de intervenção na saúde, principalmente, no que diz respeito à pretendida humanização de um hospital. Como falar em humanização do cuidado, se os próprios trabalhadores são tratados, frequentemente, de forma desumana?
A HUMANIZAÇÃO DO TRABALHADOR PARA A HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO
Para que os trabalhadores de saúde possam exercer a profissão com honra e dignidade, respeitar o outro e sua condição humana, dentre outros, necessitam manter sua condição humana também respeitada, ou seja, trabalhar em adequadas condições, receber uma remuneração justa e o reconhecimento de suas atividades e iniciativas. Logo, fica evidente que os profissionais, na maioria das instituições de saúde, estão aquém da reconhecida valorização de si e do seu trabalho.
É preciso reconhecer, entretanto, que muitas instituições, com os crescentes cortes de verbas públicas, enfrentam dificuldades para manter-se. O quadro profissional limitado, a deficiência de recursos materiais, as condições insalubres de trabalho e as novas e contínuas demandas tecnológicas, com frequência, aumentam a insegurança e favorecem a insatisfação no trabalho. O clima desfavorável tem contribuído progressivamente para relações de desrespeito entre os próprios profissionais, bem como para a geração de uma assistência fragmentada e, cada vez mais, desumanizada. Sendo assim, torna-se premente que a filosofia institucional assim como as políticas públicas de humanização estejam, igualmente, voltadas para a vida e a dignidade dos trabalhadores de saúde, quando o que se pretende realmente seja a humanização do cuidado nas instituições de saúde.
Humanização, como espaço ético, requer, então, o fomento de relações profissionais saudáveis, de respeito pelo diferente, de investimento na formação humana dos sujeitos que integram as instituições, além do reconhecimento dos limites profissionais. Nesse processo, o profissional, possivelmente, terá condições de compreender sua condição humana e sua condição de cuidador de outros seres humanos, respeitando sua condição de sujeito, sua individualidade, privacidade, história, sentimentos, direito de decidir quanto ao que deseja para si, para sua saúde e seu corpo. O verdadeiro cuidado humano prima pela ética, enquanto elemento impulsionador das ações e intervenções pessoais e profissionais, constituindo a base do processo de humanização.
Quando se define a humanização hospitalar como expressão da ética, a filosofia da instituição necessita convergir para a construção de estratégias que contribuam para a humanização do/no trabalho, mediante o estímulo à participação e à comunicação efetiva, com qualidade em todas as suas dimensões: na relação da administração com os trabalhadores, dos trabalhadores entre si e desses com os pacientes. Por consequência, faz-se necessário incentivar a horizontalidade nas relações, pautada na liberdade de ser, pensar, falar, divergir, propor. É imprescindível reconhecer, ainda, que o exercício da autonomia, ou seja, a relação sujeito-sujeito, não é um valor absoluto, mas um valor que dignifica tanto a pessoa que cuida quanto a que está sob cuidado profissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Implementar um processo de humanização no campo interdisciplinar da saúde, fundamentado na ética, implica o resgate da dimensão humana das/nas relações de trabalho e a sua permanente problematização. A ética pode contribuir significativamente para a humanização do ambiente hospitalar, para práticas que respeitem a condição de sujeito dos seres humanos, sejam cuidadores, sejam seres sob cuidado profissional, sua dignidade, valores, direitos, deveres.
A humanização hospitalar como expressão da ética requer, em suma, a prévia formulação de políticas organizacionais e sociais justas que considerem os seres humanos e seus direitos. Isso significa valorizar a humanidade no trabalhador, favorecendo o desenvolvimento de sua sensibilidade e competência, com mudanças nas práticas profissionais, de modo a reconhecer a singularidade dos pacientes, encontrando, junto a eles, estratégias que facilitem a compreensão e o enfrentamento do momento vivido.
Fonte: https://www.scielo.br/j/rlae/a/dyHDHRtQTZyGpg8RJRdrpPK/?lang=pt. Acesso em: 3 mar. 2024.
Percebe-se que o artigo busca refletir sobre as considerações éticas que necessitam fundamentar as ações de humanização no âmbito hospitalar. Com isso, a ética requer a implementação de um processo reflexivo sobre os princípios, valores e direitos. Entretanto, é necessário distinguir o conceito de ética do conceito de moral, que muitas vezes são confundidos.
ATIVIDADE:
1. De acordo com o que você aprendeu em nossa disciplina e com base no artigo proposto, descreva quais as principais diferenças e semelhanças entre o conceito de ética e moral e aplique esta diferença no âmbito hospitalar. Sua resposta deverá conter entre 5 e 15 linhas.